Crescem as críticas à
política de filho único na China
Cláudia Trevisan
Pequim — O escândalo em torno do
aborto forçado de um feto de sete meses e distorções decorrentes do controle de
natalidade provocaram uma onda de questionamentos à política de filho único na
China e levaram intelectuais a defenderem formalmente a sua revisão. Em carta
enviada ao Congresso Nacional do Povo, um grupo de 15 acadêmicos pediu o
cancelamento do controle de natalidade adotado há três décadas. No dia
anterior, três integrantes do Centro de Pesquisa em Desenvolvimento, ligado ao
Conselho de Estado, sugeriram ajustes na política para permitir que as famílias
tenham dois filhos.
Além
disso, são comuns os casos de abusos como o que sofreu Feng Jianmei, mulher de
22 anos retirada à força de sua casa e
submetida, contra sua vontade, a um procedimento que matou seu feto de sete
meses e induziu ao parto. Os pesquisadores ligados ao Conselho de Estado —
o gabinete chinês — usam outros argumentos para questionar o controle de natalidade.
Segundo eles, as medidas levaram ao
rápido envelhecimento da população e à redução na oferta de mão de obra,
que ficou evidente nos últimos dois anos com a dificuldade de indústrias em
contratar.
Escândalo abala política de
filho único na China
Cláudia Trevisan
Linyi — Zhang Wenfang já havia
entrado no nono mês de gravidez quando
foi arrastada de sua casa por uma dúzia de pessoas, colocada em um carro e
levada a uma clínica de controle de natalidade, onde recebeu uma injeção que matou seu bebê e induziu ao parto. As
contrações só começaram dois dias depois. Apesar dos gritos de dor, ninguém
apareceu para ajudá-la e ela desmaiou.
Quando
acordou, Zhang estava em um hospital, para onde foi levada quando o aborto se
complicou. O feto já havia desaparecido. Além do bebê, ela também perdeu seus
órgãos reprodutores internos, retirados sem seu consentimento. Em razão das
seqüelas da cirurgia mal feita, ela passa a maior parte do tempo em uma cadeira
de rodas. Seu marido a abandonou e o filho de 6 anos vive com os sogros.
Tudo
ocorreu em 2008. Desde então, Zhang tenta obter compensação e a punição dos
responsáveis, sem sucesso. A lei chinesa proíbe abortos depois dos seis meses
de gravidez e exige o consentimento da mãe para realização do procedimento em
qualquer circunstância.
Apesar disso, casos semelhantes se repetem em
toda a China. Os abortos forçados são a face mais escandalosa dos abusos cometidos
em nome da política de filho único, mas os atos de violência incluem a detenção de familiares de
mulheres que se recusam a interromper a gravidez, extorsão, agressões, torturas
e até assassinatos.
Zhang
decidiu falar publicamente de seu caso depois da repercussão provocada pela
foto de uma mulher ao lado do feto de sete meses retirado de seu útero contra
sua vontade. A imagem circulou na internet e deu origem a uma onda de críticas
ao controle de natalidade. Em resposta, o governo anunciou o afastamento dos
responsáveis pela política de filho único no local, mas a punição dos que cometem abusos é rara.
Nenhum
dos funcionários que obrigaram Zhang a abortar perdeu o emprego ou recebeu qualquer
tipo de sanção. Alguns foram transferidos para a cidade, o que significa uma
promoção. A camponesa recorreu a autoridades em Pequim e conseguiu falar com um
funcionário da Comissão Nacional de Planejamento Familiar, que não acreditou na
história. “Ele me disse que abortos de fetos com mais de seis meses não podem
ser realizados, não importa quantos filhos a mulher tenha”, disse Zhang em
entrevista ao Estado.
Fang
Zhong Xia já tinha duas filhas quando engravidou, em 2005. Sabendo do risco de
ser arrastada para um aborto forçado, ela fugiu com o marido, Fang Zhong Gan. Para obrigá-los a voltar, os chefes locais
do controle de natalidade prenderam 22 de seus parentes e vizinhos, entre os
quais três crianças e uma mulher grávida.
Sob
pressão, ela foi obrigada não só a
abortar, mas a fazer a cirurgia de esterilização. “Eles me disseram que se
eu não concordasse, meus parentes não seriam libertados”. Além disso, a família
teve de pagar uma espécie de fiança, chamada de “taxa de estudos”, para
libertar os detidos. Na época, foram 100 yuans por criança e 200 yuans para
cada adulto, em um total de 2.200 yuans (R$ 654), quase 70% da renda média
anual no campo em 2005. “Eu gastei todas as minhas economias”, lembra o marido.
Desde
então, os Fang tentam obter compensação pela perda do filho, a esterilização forçada,
as prisões e o pagamento da “fiança”, sem sucesso. O casal vive na vila de
Maxiagou, a poucos quilômetros da vila de Dongshigu, de Chen Guangcheng. Ambas
estão localizadas na cidade de Linyi, em Shandong, que ganhou fama em 2005,
quando Chen expôs milhares de casos de abortos e esterilizações forçados. “Espero
que ele volte, porque dependemos dele para resolver nossa situação”, afirmou
Fang, que, em 2006, foi com outras vítimas de abusos tentar acompanhar o
julgamento do ativista, mas nenhuma das mulheres conseguiu entrar na corte.
(O Estado de S. Paulo, domingo, 8 de julho de 2012).
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